terça-feira, 11 de maio de 2010

2009 Fantasmas




As fotografias da exposição DESAPARECIMENTOS, que apresentei na Agência de Leilões e Espaço Cultural Porto Alegre em 2009 e que concorreram ao IV Prêmio Açorianos de Artes Pláticas fazem parte de uma série denominada Fantasmas.


Os Fantasmas foram todos captados de modo analógico em uma primeira etapa, com câmeras de médio e grande formato de negativo[1]. Duas séries foram realizadas: a primeira em colódio úmido (cujos suportes são chapas de vidro transparente e chapas de alumínio de fundo preto) e a segunda em daguerreótipo (cujo suporte é chapa de cobre revestida de prata). Os longos períodos de exposição (em torno de 3 a 15 minutos, respectivamente) dos dois processos ensejaram-me a fotografar objetos parados, e distantes em função da distância focal da objetiva.
Como nos primórdios da fotografia, esta “é (...) o desejo para uma conjunção impossível de transição e fixidez, uma simultaneidade visual do passageiro e do etéreo”[2]. Os fantasmas são essa personificação do etéreo e sua fixidez foi colocada em xeque pelas possibilidades abertas pelo processamento. Se desejarmos, poderemos apagar as imagens presentes na superfície dos daguerreótipos, por exemplo, antes de sua fixação final. As múltiplas imagens em uma mesma chapa e/ou a transparência da pessoa fotografada remetem à iconografia do fantasma. O caráter fantasmático e a “aparição” já eram termos que descreviam minhas obras anteriores, como Blindness (longas exposições e imagens indistintas e transparentes, 2003) e Ilex Matetype (há um quase desaparecimento do referente causado pelo processo fotográfico, 2004). Em Fantasmas, essas características voltam a aparecer, todavia em outros processos e sob outra forma de captura – câmeras de médio e grande formato e longíssimas exposições.
As imagens que constam como daguerreótipos, “original apagado”, passaram pelo processamento normal da técnica: polimento da chapa para se tornar um espelho, emulsionamento, captura da imagem e revelação. Após esse estágio e antes da fixação final, fotografei as imagens de forma digital. De acordo com que era uma “boa imagem”, ou apagávamos ou fixávamos as chapas. Os erros processuais foram as imagens mais instigantes: subexposições, superexposições, “véu branco” sobre a imagem, falhas de emulsionamento, falta de foco, desaparecimento completo do referente em vez de deixar alguma “marca” etérea de sua presença. De igual modo os erros sutis em uma chapa pequena (c. 8 x 10,5cm) ampliam-se nas cópias em papel algodão (impressas com tinta pigmentada de alta duração) – 84 x 110 cm.
Numa chapa de prata, cerca de três a quatro apagamentos podem ser suportados. Da mesma forma, a chapa de vidro dos ambrótipos também pode suportar infinitos polimentos, imagens e apagamentos, enquanto o vidro estiver intacto. Tanto o daguerreótipo como os ambrótipos, nesse sentido, são palimpsestos.
Entende-se, então, a analogia feita por Balzac ao considerar a câmera fotográfica um aparelho capaz de remover as camadas da alma do fotografado.



"Todos os corpos físicos são formados totalmente por camadas de imagens fantasmagóricas, um número infinito de finas peles, postas umas sobre as outras. Balzac acreditava que o homem não podia fazer algo material de uma aparição, de alguma coisa impalpável – quer dizer, criar alguma coisa do nada – portanto, ele concluiu que toda vez que alguém era fotografado, uma de suas camadas espectrais era removida do seu corpo e transferida para a fotografia. Repetidas exposições acarretavam uma inevitável perda das subsequentes camadas fantasmáticas, ou seja, da própria essência da vida".[3]



[1] Durante a estadia em Montana, EUA, 2006.
[2] BATCHEN, 2001, p. 132.
[3] Em Nadar, Quand j´étais photographe (1900), In: GOLDBERG, 2000, p. 127-128.

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